Gilberto Gil voltou aos palcos do Rio de Janeiro no dia 6 de abril para oferecer ao público um espetáculo à altura de sua grandiosidade. Mesmo com o início um pouco além do previsto, com mais de meia hora com as luzes da Farmasi Arena apagadas, a expectativa só aumentava entre os fãs, que foram recompensados com um repertório extenso que costura décadas de história. O show foi uma verdadeira celebração da música brasileira – com direito à participação especial de Caetano Veloso em um dos momentos mais comoventes da noite.
A apresentação foi marcada por canções de três álbuns fundamentais de sua carreira - Refazenda, Refavela e Realce -, com Gil explicando sua jornada e inspirações para a construção das músicas e também percorreu outras fases e parcerias marcantes de sua trajetória. O artista surgiu ao palco com seu violão, acompanhado de uma formação elegante: cordas, sopros e uma banda que soube respeitar os silêncios e acentuar as potências dos arranjos.
Logo de cara, o público foi saudado com Palco e Tempo Rei, aquecendo a plateia para uma noite que navegava entre a festa e a contemplação. Canções como Domingo no Parque e Cálice trouxeram o peso histórico da MPB, enquanto Vamos Fugir, Realce e Aquele Abraço celebraram o lado mais solar e dançante do artista.
Um dos pontos mais intensos da noite veio com a execução de Cálice, composição de Chico Buarque e Gil, marcada pelo peso histórico e simbólico. Antes mesmo que a música começasse, as telas exibiram um vídeo de Chico contextualizando o período sombrio da ditadura militar, lembrando o exílio forçado de artistas como ele, Gil e Caetano. Enquanto as imagens mostravam protestos e repressão policial, o público mergulhou em silêncio e atenção profunda. A canção, que já carrega em si um grito abafado por décadas de censura, ganhou ainda mais potência ao ser apresentada nesse formato, como uma memória viva que se recusa a ser esquecida.
Destaque também para a releitura de No Woman, No Cry - aqui apresentada como Não Chore Mais, com a doçura e o balanço que só Gil consegue imprimir - e para o momento em que Caetano Veloso subiu ao palco para dividir com o amigo os versos de Super Homem (A Canção). Uma parceria histórica revivida diante de um público que respondeu com carinho e reverência.
Mesmo em momentos de introspecção, como em Se Eu Quiser Falar com Deus ou Drão, a conexão com a plateia permaneceu intacta. Inclusive, entre Se Eu Quiser Falar com Deus e Superhomem foi o momento em que Gil toca sentado. O uso dos flashes dos celulares, mesmo sem pedido do artista, na canção Estrela, parecia menos um deslize e mais um gesto espontâneo de quem queria eternizar aquele instante. Em meio à delicadeza das cordas e à voz firme de Gil, era como se cada registro fosse uma tentativa de tocar o intocável - de transformar emoção em memória.
O roteiro ainda contou com clássicos como Eu Vim da Bahia, Andar com Fé, Expresso 2222 e Toda Menina Baiana, encerrando a noite com uma ode à diversidade e à alegria que sempre marcaram sua obra.
Gilberto Gil mostrou mais uma vez que é parte viva e pulsante da identidade brasileira. Sua música segue sendo um elo entre passado e presente, tradição e inovação, fé e festa. No palco, ele não apenas canta, mas sim, traduz o Brasil em suas múltiplas vozes, ritmos e sentimentos. E quem esteve ali sabe: alguns shows não são apenas ouvidos – são sentidos com o corpo inteiro.
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