THE TOWN: Entre o rap, o soul e o reggae

 

É impossível falar da black music dos anos 90 sem passar por Lauryn Hill. E, ao mesmo tempo, reduzi-la a uma década ou a uma classificação de gênero seria uma injustiça com a potência expansiva de sua arte. Vinda de East Orange, Nova Jersey, Lauryn rompeu as fronteiras entre o rap, o soul e o reggae, e ressignificou essas linguagens ao trazer para o centro uma perspectiva que era, até então, frequentemente marginalizada dentro da própria indústria: a voz da mulher preta, pensante, lírica, vulnerável, politizada e absolutamente genial.

Com apenas um álbum solo lançado (The Miseducation of Lauryn Hill (1998)), ela conseguiu capturar o espírito de uma geração enquanto reivindicava, com beleza e brutalidade, uma herança ancestral negada por séculos. Foi um disco-manifesto em forma de groove, uma carta aberta sobre maternidade, amor, fé, colonialismo, indústria e identidade.

Tecnicamente, Lauryn já impressionava desde os tempos de Fugees. Com uma das vozes mais marcantes da década, ela flutuava entre o flow afiado do rap e a melodia emotiva do R&B clássico, e fazia isso com um domínio que parecia natural, mas era claramente lapidado. Em The Miseducation, esse domínio se transforma em linguagem autoral. Ela compõe, produz, escreve. Costura samples com arranjos orgânicos. Honra o passado de Nina, Marley, Curtis, sem se limitar a ele.

O impacto cultural foi imediato, mas sua reverberação se estende até hoje. Lauryn abriu caminhos para uma linhagem inteira de artistas que encontraram, em sua vulnerabilidade e força, um ponto de partida. De Beyoncé a Janelle Monáe, de Kendrick Lamar a Rapsody, seu legado está mais vivo do que nunca não só na forma, mas principalmente na intenção de fazer da música um espaço de denúncia, cura, identidade e transcendência.

É importante reconhecer que essa revolução foi feita sob um custo alto. A pressão da indústria, as expectativas irreais, o peso de ser símbolo, tudo isso contribuiu para o seu afastamento da mídia, um gesto que, por si só, virou resistência. Lauryn recusou a lógica da superexposição e dos lançamentos em série. Escolheu o silêncio como ruptura. E ainda assim ou talvez por isso mesmo, sua presença continua colossal.

No palco do The Town, Lauryn Hill carrega um marco. Sua performance é uma lembrança vívida de que arte preta é plural, sofisticada, potente, e que sua liberdade criativa não deve jamais ser condicionada a padrões eurocentrados ou à lógica do mercado.


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