THE TOWN: A mulher por trás do mito

 

Entre as vozes mais reconhecíveis da história da música pop, Mariah Carey sempre esteve envolta em uma aura de mito. Afinal, como competir com alguém que praticamente redefiniu o conceito de alcance vocal e transformou a melodia em instrumento de assinatura? Mas para além das cinco oitavas, dos vocais em apito e dos recordes pulverizados ao longo de três décadas, existe uma mulher que precisou lutar (e muito!) para escrever sua própria história dentro de uma indústria que a queria domesticada, moldada, gerenciável.


Mariah não nasceu diva, tornou-se. E esse processo passou, necessariamente, por confrontos com o sistema. Logo no início da carreira, quando ainda era apresentada como a nova "menina prodígio" do pop e do R&B, foi alçada à fama sob vigilância. A gravadora, a mídia e até o próprio casamento com Tommy Mottola, então presidente da Sony Music, impuseram um formato à sua imagem: uma estrela controlada, “comercial”, que deveria se manter em uma zona de conforto segura esteticamente, musicalmente e pessoalmente.

Mas Mariah sempre teve outros planos. Se por um tempo acenou à persona que esperavam dela, aos poucos começou a expandir seus próprios limites criativos: aproximou-se do hip-hop muito antes do mercado aceitar essa fusão com o pop, produziu seus próprios álbuns, escreveu todas as suas músicas (algo que muitos ainda subestimam) e passou a utilizar sua arte como um espaço de autonomia radical. Ao longo dos anos, deixou claro que não era apenas intérprete, era autora, compositora, produtora e estrategista de si mesma.

Sua trajetória está repleta de momentos em que reescreveu sua narrativa à força. Quando foi diminuída pela crítica, respondeu com álbuns ainda mais inventivos. Quando duvidaram de sua sanidade, voltou ao topo das paradas com uma reinvenção silenciosa. Quando lhe negaram espaço, ela criou o próprio. E mesmo ao assumir publicamente suas fragilidades como episódios de esgotamento, abusos emocionais, pressões raciais, Mariah fez disso um ato de coragem e reposicionamento. Sua autobiografia, lançada em 2020, talvez tenha sido seu golpe mais direto contra a tentativa de apagamento: um manifesto pessoal que desmonta o mito sem desmerecer a lenda.

No palco do The Town, Mariah encarna a jornada complexa de uma mulher que precisou negociar sua liberdade dentro de um ambiente majoritariamente masculino, branco e corporativo. Sua presença carrega, além da performance vocal de excelência, uma carga simbólica: a de alguém que recuperou o direito de ser lida por suas próprias palavras, não pelas palavras que escreveram sobre ela.

 


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