De La Soul celebra a vida e a cultura hip hop em um show incrível em São Paulo

 

Na última sexta-feira (3), após uma década de espera, fomos abençoados com um show único do De La Soul em São Paulo.

Em meio aos hits do grupo, Posdnuos (aka Plug 1) disse ao público que "um elemento fundamental do hip hop muitas vezes é esquecido - o sentimento. O sentimento de ouvir a música e fazer aquela cara” - se referindo e simultaneamente fazendo a famosa cara de nojo quando se ouve uma pedrada. Esse sentimento foi coletivamente sentido, e nada esquecido, a cada track que rolou na noite, dentro e fora da apresentação do De La Soul.

O MC também comentou sobre como a cidade de São Paulo vive e respira o hip hop, que ele vê a cultura se manifestando nas ruas e onde vai. Em uma semana em que tivemos um estádio tomado por Kendrick Lamar, o show do Talib Kweli com Kamau na Blue Note, e sets do J. Rawls, KL Jay e DJ Hum acontecendo num intervalo de sete dias, é impossível discordar. Para coroar essa semana surreal para os fãs de rap no Brasil, ainda recebemos uma turnê em três capitais de um dos grupos mais legais e influentes da história do hip hop, o De La Soul.

Antes de descrever a apresentação do grupo, sou obrigado a elogiar o bom trabalho por parte da curadoria do evento, que trouxe Zudizilla com participação da veterana Stefanie para abrir a noite e representar a potência do rap nacional, costurada por dois ótimos sets do DJ Nuts - que a essa altura já pode ser considerado um oráculo do hip hop. A apresentação do Zudizilla ainda contou com DJ Nyack, outro mestre das pick-ups que se certificou que ninguém ficasse parado durante os 45 minutos de show.

O som estava impecável, a performance do rapper pelotense passou pelos maiores hits da sua trilogia Zulu, como God Bless, MATRIX e Steez, fazendo com que o público estivesse constantemente balançando a cabeça aos beats que misturam o boom bap, jazz, R&B e soul. O queixo caiu ainda mais quando Stefanie chegou para somar e cantar sua colaboração com Zudi, Raio de Sol. Além dessa, Stefanie ainda comandou duas músicas de seu álbum, BUNMI, referido pelo próprio Zudizilla como o melhor álbum de rap nacional do ano.

Casa aquecida, todos agora esperavam pelo De La Soul. Pelos painéis que enfeitaram a entrada e a pista da Audio com a identidade do primeiro álbum do grupo, de duas coisas poderíamos ter certeza: hits do 3 Feet High and Rising iriam rolar e a memória de Trugoy The Dove (aka Plug 2), um dos membros fundadores da banda e que tragicamente nos deixou em 2023, estava no coração de todos os presentes. Para um grupo que diz desde o começo que “3 é o número mágico”, a perda de um membro e amigo como Trugoy é impossível não ser extremamente sentida pelos outros dois membros e pelos fãs. Felizmente, mesmo com a saudade, o clima era de celebração da vida e da cultura hip hop - e aí que começa a aula.

O set começou com o DJ Maseo (aka Plug 3) subindo nas pick-ups e iniciando os trabalhos, agitando o público a colocar a mão para o alto, até que Posdnuos com uma vitalidade impressionante, entrou e lembrou a todos do por quê o De La Soul é esse nome gigante do rap. Logo na primeira pausa, Pos falou ao público sobre o que era aquela noite: diversão. Essa mesma palavra que foi o fio condutor do grupo no seu início, quando eram apenas jovens se divertindo e apresentando esse lado da moeda para o hip hop - o que acabou sendo revolucionário.

E a noite continuou sendo única e exclusivamente sobre se divertir e celebrar, o hit Eye Know veio logo no começo e já botou a casa inteira para pular. Em meio às canções, o carisma de Pos e Maseo garantiram que todos estivessem sorrindo do começo ao fim - contando piadas, interagindo um com o outro e com o público, e autografando discos, encartes e até um tênis em meio a apresentação. Isso até lembrou os skits de seus álbuns pelos quais são conhecidos. E no melhor estilo De La Soul, estavam tirando sarro de tudo.

Longe de acabar, em Stakes Is High, uma das músicas mais icônicas, o rapper Talib Kweli se juntou ao De La Soul para completar o número mágico. Talib acompanha o De La Soul na maioria dos seus shows recentes, mas isso não diminui o quão especial é ver ½ Black Star junto ao grupo. E não foi uma simples participação: uma vez no palco, Talib continuou até o final, rimando com precisão e energia impressionantes. Para aumentar ainda mais o clima de festa, quando passamos da meia noite, Maseo e Pos anunciaram que era aniversário de Talib, e dali inevitavelmente puxaram o parabéns - cantado em coro pela Audio. Outra música que também rendeu um belo coro foi Rock Co.Kane Flow, a quem o grupo dedicou para a lenda que originalmente participa da faixa, MF DOOM, outro nome que todo fã de rap sente profundamente a falta.

Sabe aquele ditado, “se melhorar, estraga”? Isso não aconteceu no show do De La Soul. Além de tudo que já foi descrito, o grupo ainda aproveitou a noite para anunciar que o novo álbum, o primeiro em quase 10 anos, será lançado no dia 21 de novembro. Isso só comprova como o grupo ainda pulsa vida e está longe de viver do passado, mas ainda tem coisas a dizer e nós estaremos lá para ouvir. Esse lançamento faz parte da série Legend Has It…, da label comandada por Nas, Mass Appeal. Além dos álbuns do De La Soul e do próprio Nas (junto ao DJ Premier), a série ainda conta com veteranos como Ghostface Killah, Mobb Deep, Raekwon e Big L.

Por fim, volto a dizer que o show do De La Soul foi uma verdadeira aula, sobre como é importante se divertir e celebrar a vida, sobre como a cultura hip hop é um terreno extremamente fértil para a criatividade e a inovação - além de, claro, aquela sonzera que nos deixa com aquela cara que inicia essa matéria.

Enquanto São Paulo espera por um novo retorno do grupo (quem sabe com as músicas do disco novo), as capitais Curitiba e Rio de Janeiro ainda terão a oportunidade de presenciar esse showzão, nos dias 3 e 4 de outubro, respectivamente.

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